A cozinha da Mansão

Naquela hora da tarde, a cozinha estava vazia. O que quer que gostasse de cozinhar ali e fazer os pratos fantasmagóricos favoritos dos residentes por alguma razão não se importava em dividir o lugar com o jovem zumbi.

Ele pegou algumas panelas de cobre que estavam penduradas e as colocou sobre o fogão industrial. A tábua de madeira veio a seguir, e uma faca bem afiada foi colocada logo ao lado.

- Tem alguma alergia ou algo que não gosta de comer? Quero fazer um prato típico da minha terra pra você. Camarão à Creole.

Ele foi até uma cesta e começou a pegar um pouco de aipo, pimentões verdes e cebolas.

- Não demora nada, senta aqui comigo! - ele ofereceu um lugar bem à sua frente, do outro lado do balcão.

Começou lavando e picando estes ingredientes, colocando pra ferver uma panela com água.

- Eu vim de Nova Orleans há alguns anos. Eu sempre amei comer, mas tive a sorte de comer um sanduíche com mojo ruim de uma bruxa viajante. Aí eu morri, e então, eu sobrevivi. - ele sorriu, cozinhando com uma velocidade impressionante.

Ele foi até uma pequena geladeira de onde retirou um pacote de Camarões limpos embalados a vácuo, e a abriu com um gesto fluido da faca.

- Infelizmente foi a última coisa que comi, e agora pra mim as coisas não têm o mesmo gosto, sabe. Por isso gosto de cozinhar pra quem consegue aproveitar.

Ele esquentou uma frigideira e refogou alguns pimentões verdes, aipo e cebola, e quando esta última estava bem dourada, adicionou uma lata de purê de tomates. O cheiro já estava maravilhoso. Ele adicionou alguns temperos, como pimenta caiena, tomilho, páprica e alho, e em seguida regou a mistura com a água quente. Ela borbulhou lindamente, e Julien adicionou os Camarões, abaixou o fogo e tampou a frigideira. Enquanto isso, preparou um prato bem bonito, duas taças, nas quais colocou algumas rodelas de limão siciliano e um ramo de alecrim, gelo e então água gaseificada bem gelada, com algumas gotas de limão em cima. Quando destampou a panela, o cheiro apimentado subiu e ele serviu um prato bem farto para seu salvador.

- Aqui está, Camarão à Creole, e água saborizada!

- Não tenho nenhuma alergia. - informou Walter. - Seu caso é bem... único, por assim dizer. Mas meus pêsames.

Walter parecia uma pessoa completamente deslocada naquela mansão, muito possivelmente por não ser um habitante. Mas havia leves toques em Walter que realmente o deixavam à parte de tudo ao seu redor, uma certa normalidade que era incomum naquele local, porém o ruivo estava longe de ser alguém normal por assim dizer. Ele apenas se tratava de um camaleão social e precisava de um tempo para se alterar e adaptar àquele ambiente novo. Como o próprio Julien havia visto, Walter se tratava de um bruxo ou de uma espécie de bruxo, porém estava longe de ser tão poderoso ao ponto de ser capaz de enfrentar os maiores perigos do mundo. Ele só era alguém que sabia algumas coisas aqui e ali e que as usava para o bem dos outros, ocasionalmente.

O cheiro da comida que Julien preparava preenchia aquele local e aumentava o apetite de Walter. Como ele próprio dissera, faziam alguns dias desde que ele havia comido algo, geralmente conseguia passar uma semana sem alimento, algo que começara a fazer por necessidade visto que suas viagens eram longas e ele conhecia alguns feitiços que o ajudavam a conservar sua energia. Mas nada, nem mesmo o mais belo feitiço, substituía um bom prato de comida. Walter murmurou um agradecimento e deu sua primeira garfada que logo foi seguida pela segunda e pela terceira.

- Você é um cozinheiro de mão cheia, Julien.

O rapaz sorriu timidamente, unindo as mãos de forma lisonjeada. Enquanto Walter comia, Julien se colocou a arrumar a sua pequena bagunça.

- Não sei quanto tempo pretende ficar, mas enquanto estiver por aqui, terei grande prazer em cozinhar para você.

Ele rapidamente lavou as panelas, e as deixou escorrendo ao lado. Juntou as mãos olhando para um daguerrótipo antigo de uma mulher mais velha, de rosto austero e longos cabelos em duas tranças e disse:

- Obrigado, abuelita.

Logo se sentou na frente de Walter para que a conversa continuasse.

- Ela é um dos espíritos que ficam aqui na cozinha. Ela é bem sistemática quanto a sua organização e à produção, mas por algum motivo não se importa que eu use as coisas.

Ele deu um sorriso tão fofo que era quase infantil. Não era difícil entender o por que aquela criatura era tão adorada pela maioria.

- Depois precisa me dizer qual é seu prato favorito. De onde você é?

- Ooh! Isso é bem legal! Nunca tinha saído de Nova Orleans antes de morrer, mas ainda quero visitar a América do Sul.

Ele apoiou o rosto em uma mão, sorrindo.

- Galina na panela... de pressau. - ele tentou repetir. - com... compulenta?

De alguma forma, o assistente em seu celular conseguiu ajudá-lo a encontrar o prato, e ele olhou as fotos curiosamente.

- Parece uma delícia! - A pesquisa logo ia para encontrar algum lugar para comprar uma panela de pressão online para comprar.

- Como começou a... trabalhar com o que você trabalha? Por quê vir pra tão longe?